segunda-feira, 7 de setembro de 2020

TRANSFERÊNCIA DE RENDA, TRIBUTAÇÃO SOBRE O PATRIMÔNIO E A RENDA

O Prêmio Nobel Milton Friedman, ao defender que o Estado, ao invés de manter serviços públicos, deveria transferir uma quantia às pessoas para adquirir aquilo que lhes parecesse mais conveniente[i], possivelmente não tinha o alcance de sua tese. A isso se chamou originalmente “imposto de renda negativo” dado que, diferentemente do imposto sobre a renda que incide sobre o acrescimento patrimonial, doravante denominado “imposto de renda positivo”, implica entrega de moeda para as pessoas.

A terminologia “imposto de renda negativo”, parece-me, facilita o raciocínio, dado que isto tem tido vários nomes na História brasileira, culminando no “bolsa família” e também “renda Brasil” na COVID 19. Este termo destaca, também, que o pagamento de tais quantias independe da existência de fundos orçamentários, a exemplo do relativo à seguridade social, podendo resultar dos recursos de quaisquer impostos.

A tributação é uma matéria técnica, logo é impossível fazer um discurso suficientemente amplo que gere adesão incondicional ou rejeição apaixonadas, a exemplo do ocorrido na pauta dos costumes.

Como destacado o Prêmio Nobel Amartya Sen a superação da injustiça implica inconformismo e indignação, embora a consolidação da justiça requeira racionalidade[ii]. No limiar destas situações encontra-se o tema da tributação, agravado pela situação gerada pela COVID-19.

A pandemia da COVID tem acelerado processos e rompido paradigmas, bem como a disseminação da inteligência artificial no Brasil tem eliminado atividades econômicas e sucateado conhecimentos técnicos.

Há de se considerar em que medida a tributação se relaciona com os custos de transação para viablizar recursos para pagar impostos sobre o patrimônio e renda.

 Nos tributos incidentes sobre o consumo, a inteligência artificial pode substituir o cumprimento das obrigações para controle da arrecadação do tributo.

O êxodo rural e a urbanização acelerada demonstraram que a miséria e a pobreza independem exclusivamente da moeda que a pessoa possui. Daí a importância da educação em todos os níveis, bem como de redes de proteção social de saúde. Enfim não se pode ver a fruição destes direitos como resultado de aquisição como a mercadoria e, sim, expressão do exercício fundamental a ser garantido pelo Estado.

A experiência tem demonstrado que a moeda necessita de confiança, o real a mantém na medida em que os investidores internacionais trocam moeda estrangeira para, inclusive, investir na área financeira. Isto pode se perder por motivos sistêmicos e/ou estruturais, daí o necessário cuidado com a matéria.

Já no regime militar foi instaurado o Programa de Integração Social – PIS garantidor de uma renda paga em uma parcela anual, financiada por recursos incidentes sobre a receita e faturamento das empresas. Pouco antes da Constituinte tais recursos já passaram a manter o Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT que, também, veio assegurar o seguro de desemprego.

A atual Constituição consolidou a atribuição de regime tributário ao PIS, o que implicou longa discussão nos tribunais superiores sobre a definição de sua base de cálculo.

O Brasil tem um sistema de seguridade social em que se destaca o Sistema Único de Saúde – SUS. Dentre as contribuições sociais destaca-se a contribuição à Seguridade Social sobre a Receita ou Faturamento – COFINS que tem base de cálculo e critério de apuração idêntico ao PIS, diferindo deste tão somente na destinação.

O PIS e a COFINS já há décadas têm sido consideradas as vilãs do sistema tributário, segundo a predileção  das autoridades econômicas dos diferentes governos.

Ocorre que a tributação relaciona-se com a propriedade, o consumo e a renda, sendo o imposto sobre a renda de competência privativa da União no Brasil. Em outros países, a exemplo dos Estados Unidos da América, todos os municípios, os Estados e a União podem instituir um imposto que considere a renda e o patrimônio.

 A renda, assim, consiste no acréscimo patrimonial resultante, por exemplo, da remuneração do trabalho ou capital (lucros ou juros).

 A Constituição da República Federativa do Brasil refere que o imposto de renda deve alcançar todas as pessoas (generalidade), todas as rendas e proventos (universalidade) e ser fixado de forma que os acréscimos patrimoniais mais elevados devam pagar mais (progressividade). Ressente-se da efetividade material destas disposições nas leis, dado que o juro é devido “exclusivamente na fonte” para as pessoas físicas e empresas, salvo as empresas tributadas segundo o critério do lucro real.

 O fundamento da progressividade do imposto baseia-se no fato que “para a pessoa que tem mais renda 1 real é menos valioso do que para a pessoa que possui menos renda;”, daí poder dispor de mais recursos para contribuir para a comunidade ou, em termos técnicos-jurídicos, possui maior capacidade contributiva. Vê-se que o argumento tem fundamento prático (utilitarista), dispensando considerações de justiça distributiva.

A complexidade do sistema tributário brasileiro decorre menos da quantidade de impostos e contribuições, aludidos na Constituição, do que o número de regimes para sua apuração.

O Código Tributário Nacional – CTN dispõe que a renda a ser tributada pode ser um montante real, presumido ou arbitrado, dada a modernização possível do sistema é possível assegurar uma tributação exclusivamente segundo o critério real, dispensando as tributações presumidas que, a exemplo do critério de arrecadação do Simples Nacional, acaba por tributar uma renda inexistente!

 Neste sentido, inclusive para gerar recursos e pagar o referido imposto de renda negativo, inclusive pelos Estados e Municípios, faz-se necessário manter a renda indispensável para se adquirir os bens e funcionar o mercado. Tais recursos têm assegurado o funcionamento do comércio com a venda de alimentos.

 Neste contexto o Congresso Nacional deve considerar especialmente simplificação dos tributos sobre o consumo, pois o gasto do Estado para transferência de renda acaba sendo altamente tributado ao menos pelo ICMS, PIS e COFINS e também o ISS.

 Aconselhável que a renovação do Sistema Tributário implique uma tributação da renda e patrimônio, considerando o exemplo dos EUA.


 Publicado originalmente no blog "Conversando com o Professor". Disponível em: https://conversandocomoprofessor.com.br/2020/09/06/transferencia-de-renda-tributacao-sobre-o-patrimonio-e-a-renda/. Acesso em: 07/set/2020

 



[i] FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e liberdade. São Paulo: Nova Cultural, 1985. Título Original: Capitalism and Freedom.

[ii] SEN, Amartya. Justiça é uma questão de Racionalidade. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=34IYJIB4Mms&t=13s. Acesso em: 31 ago. 2020.

 

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