Fabio Pugliesi
A competência da
defesa e do comércio exterior, atribuídas à União de Estados, constitui aspecto
essencial da Federação.
Um corolário disso
constitui a necessária garantia de inexistência de limitação de tráfego de
pessoas e bens no território nacional, bem como vedação de distinção entre
brasileiros.
Sem tais premissas
poder-se-ia dizer que não haveria uma razão dos Estados permanecerem
federalizados.
Deve ser ressalvado,
porém, o reconhecimento aos Estados, Municípios ou aos seus respectivos entes
da Administração Indireta celebrar contratos com pessoas jurídicas de direito
público ou privado estrangeiras; todavia inexiste a competência destes
celebrarem tratados internacionais, dado que isto constitui prerrogativa da
soberania estatal.
Mesmo a União, ao
celebrar tratados internacionais, atua como representante da República
Federativa do Brasil. Neste sentido tem-se a isenção de ICMS do gás natural
importado da Bolívia, que já foi objeto de muita controvérsia.
A Constituição
Federal de 1988 foi elaborada em momento que União tinha a autoridade
fragilizada perante os Estados federados, em virtude da crise econômica no
final do regime militar, que acabou por não ter sido revertida pelo governo
civil até a promulgação do texto constitucional. Assinale-se, porém, que, na
Federação Brasileira, é uma constante a concentração e a desconcentração de
poder na União; mas isto acaba por ocasionar dificuldade nas relações internacionais
brasileiras.
Assim a Constituição
de 1988, ao mesmo tempo em que estabelece a não incidência do ICMS sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem
sobre serviços prestados a destinatários no exterior, previu, até o advento da
Emenda à Constituição n. 42/03, que poderia ser efetuada a tributação dos
produtos “semi elaborados” definidos em lei complementar”.
A expressão “semi elaborados”
sempre gerou insegurança jurídica para o exportador, bem como para economia
brasileira como um todo.
Afinal o comércio exterior é
muito competitivo e, salvo as competências dos impostos regulatórios sobre a
exportação e a sobre a importação devidos à União, a tributação da exportação por
um imposto devido aos Estados federados cria uma variável a mais nas
negociações internacionais com outros Estados soberanos e importadores.
Na verdade o constituinte quis
alcançar a tributação de matérias-primas, mas estas sofrem algum grau de
beneficiamento na exportação, assim nasceu a equívoca expressão “semielaborado”
que se quer reviver.
Observe-se que, também, no Brasil
de “múltiplos” tributos sobre valor agregado acaba por tributar o
beneficiamento de matérias-primas pelo imposto sobre produtos industrializados.
A lei complementar n. 85/91 estabeleceu
para definição da expressão “semi elaborado” que o produto deveria resultar de matéria-prima
de origem animal, vegetal ou mineral sujeita ao imposto quando exportada in
natura; matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral não tenha sofrido
qualquer processo que implique modificação da natureza química originária; ou cujo
custo da matéria-prima de origem animal, vegetal ou mineral represente mais de
sessenta por cento do custo do correspondente produto, apurado segundo o nível
tecnológico disponível no País. A forma de cálculo do custo de sessenta por
cento deveria ser fixada em convênio ICMS, fator que acabava por onerar o custo
de transação no competitivo mercado internacional, inclusive em razão de
considerar a mão de obra no custo.
A Lei Complementar n. 87/96,
conhecida como “lei Kandir” (então Ministro do Planejamento), constitui a norma
geral do ICMS e tem sido alterada por várias leis complementares, inclusive no
que se refere ao ressarcimento aos Estados exportadores por disponibilizarem
equipamentos e infraestrutura para exportação e não receberem recursos para dar
condições para a atividade exportadora.
Uma das disposições da Lei Kandir estabelece
a previsão de uma isenção do pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos
primários e semielaborados ou serviços.
A lei Kandir objetivou, também, garantir mais
segurança jurídica ao exportador e, de uma forma geral, ao comércio exterior
brasileiro. Todavia a previsão da isenção do ICMS referida sempre provocou
polêmica entre os governadores de Estados federados exportadores, em virtude da
perda de arrecadação decorrente da isenção do imposto nesses produtos.
Até 2003, a Lei Kandir havia garantido aos Estados
o repasse de valores a título de compensação pelas perdas decorrentes da
isenção de ICMS. A partir de 2004, a Lei Complementar 115, que alterou por sua
vez a lei Kandir, manteve o direito de repasse como uma compensação ao Estado
com vocação exportadora, mas deixou de fixar um critério para fixação do valor.
Em virtude disso os Estados federados,
representados por seus governadores, precisam estabelecer todo ano com a União
o valor a ser repassado a título de compensação pela isenção do ICMS por meio
de recursos, que devem ser, por sua vez, alocados em dotação na lei orçamentária
da União.
A PEC N. 110/19 da reforma
tributária promove mais segurança jurídica aos exportadores e aos Estados para
investir na infraestrutura indispensável para os exportadores ao extinguir
fundos que mantidos pela União.
Mais um fundo, este de natureza
constitucional, a ser extinto e destinado aos Estados federados, corresponde a
dez por cento do produto da arrecadação do imposto sobre produtos
industrializados – IPI, proporcionalmente ao valor das respectivas exportações
de produtos industrializados.
Estima-se que nestes fundos têm
“empoçados”, gíria que se atribui aos recursos depositados em fundos e não
utilizados, quantia corresponde a quarenta e seis bilhões de reais.
O critério de distribuição deixa
de ser o valor de exportação, que acaba privilegiando os Estados federados que
importam muito também, e passa a ser o saldo líquido da contribuição à balança
comercial, segundo a PEC n. 110/19 da reforma tributária.
O saldo líquido da balança
comercial nas trocas com o exterior corresponde à diferença entre as
exportações e as importações, assim os recursos desses fundos passam a
pertencer aos Estados federados que exportam mais e importam menos.
A PEC N. 110 da reforma
tributária estabelece um patamar de 3% para os Estados menores, em razão do
necessário estímulo ao desenvolvimento regional.
Assim a PEC N. 110/19 confere mais
segurança ao exportador e ao Brasil ao constitucionalizar o fundo que vai
ressarcir os Estados que mais contribuem para o saldo da balança comercial.
Publicado originalmente em:
http://conversandocomoprofessor.com.br/2021/04/08/a-pec-n-11019-da-reforma-tributaria-e-o-risco-da-volta-pelo-icms-na-exportacao/. Acesso em: 08/abril/2021
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