sexta-feira, 5 de março de 2021

A PEC n. 110/19 da Reforma Tributária e o Apoio à Atividade de Transporte

 Fabio Pugliesi

         O aumento do preço dos combustíveis reflete negativamente no custo da atividade de transporte e a tributação piora este quadro.

         É notório que o combustível é muito tributado no Brasil e o aumento de seu preço reflete na inflação, em razão do transporte das mercadorias praticamente ser todo rodoviário.

         A Constituição de 1988 atribui aos Municípios, por meio da competência do ISS, a tributação do transporte que inicia e termina no mesmo Município.

Por sua vez, aos Estados e ao Distrito Federal, por meio da incidência do ICMS, dá-se a tributação do transporte que inicia e termina em Municípios diferentes. Ao mesmo tempo atribui o imposto ao Estado em que se encontra domiciliado o tomador do serviço.

O ICMS deveria ser não cumulativo, mas em razão do ISS não dar direito ao crédito, ter uma alíquota de no máximo 5% e da inviabilidade de se estabelecer um critério próximo do “crédito físico” para o transporte; criou-se um regime de ICMS em que se abre “mão do crédito” e tributa-se em 5% o serviço de transporte.

Logo a inexistência do crédito do dito imposto sobre o valor do imposto agregado, ICMS, acaba por se constituir uma tributação oculta da prestação do serviço de transporte. Isto ocorre nos serviços tributados pelo ISS, enfim uma disfunção do sistema tributário, instituído em 1965, em que se deixou de discutir um autêntico imposto sobre valor agregado: imposto sobre bens e serviços, previsto originalmente na PEC N. 110/19 como se verá.

A Constituição de 88 foi elaborada em um dos momentos da História do Brasil em que a União tinha pouca autoridade perante os Estados. Isto já se verificava no final do regime militar, particularmente no Governo Figueiredo.

Durante a vigência da Constituição de 67/69 somente um imposto de competência da União com incidência única, instituição, aumento e redução por decreto-lei tributava os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, bem como a produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos.

 

O decreto-lei diferiu da medida provisória, limitando a referência a matéria tributária (a Constituição referia “finanças públicas”), tinha plena vigência e podia ser rejeitado pelo Congresso em noventa dias. Tenho notícia de apenas um caso de rejeição a Taxa de Organização do Mercado de Borracha.

 

 Em vista do risco de uma nova greve dos caminhoneiros, o Presidente da República enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar em que propõe a alteração da forma de cobrança do ICMS nas operações com combustíveis.

 

O projeto constitui o exercício de uma competência, criada pela Emenda à Constituição n. 33/2001, em que, na prática, se reedita a incidência do imposto da Constituição de 67/69 sobre lubrificantes e combustíveis, segundo o acima referido, mas a fixação da quantia a ser exigida fica a cargo do Conselho de Política Fazendária – CONFAZ. Este conselho, presidido pelo Ministro da Fazenda, delibera por unanimidade dos Secretários da Fazenda que o compõe.

 

A princípio a iniciativa do Presidente da República é positiva para evitar distorções nos preços da gasolina, etanol e diesel decorrente da diferença da tributação entre Estados. Todavia é plausível o argumento que considera ser contrário a princípio estruturante da Constituição que atribui a competência de fixar alíquota a um “conselho de secretários dos Estados federados e presidido por um ministro”, ao invés do Senado Federal.

 

Ao que parece o objetivo do Governo Federal não foi este, mas sim tentar transferir aos Estados a responsabilidade pela alta do preço dos combustíveis, decorrente do aumento de preços do petróleo no mercado internacional, particularmente em um momento em que os caminhoneiros ameaçam entrar em greve por conta do aumento do custo do óleo diesel.

 

A tributação pelo ICMS varia muito entre os Estados e a adoção de uma tributação uniforme teria um impacto muito diferenciado entre eles. Por exemplo, Estados que se recuperam de  profunda crise fiscal, como Minas Gerais, tributam o diesel à alíquota de 25%, enquanto Santa Catarina em 12%.

 

Como se tem destacado anteriormente, os Estados, por questões históricas têm a atribuição de manter a Polícia Civil e a Polícia Militar resultantes da Guarda Nacional no período da regência de Feijó no Império. Uma iniciativa que tem garantido a unidade nacional.

 

Em 2015 o desequilíbrio financeiro dos Estados explodiu. Resultante de uma combinação de despesas obrigatórias e a desmaterialização da economia, agravada pela quarta revolução industrial, tem aniquilado a base tributável do ICMS e estimulado uma escalada da “guerra fiscal” ante a sistemática do ICMS. Assim verifica-se um descasamento estrutural entre as trajetórias de receitas e despesas.

 

Este processo estrutural tem sido adiado com a decisão de moratória de suas dívidas com a União, em vista de decisão do Supremo Tribunal Federal, e o irreal aumento de renda decorrente do pagamento do auxílio emergencial, mas com as hesitações quanto à continuidade deste a situação deve se agravar.

 

Neste sentido é fundamental acompanhar a aprovação do relatório da Comissão Mista da Reforma Tributária instituída, basicamente, para compatibilizar o imposto sobre bens e serviços previsto na PEC N. 110/19 com a PEC N. 45/19, sendo esta iniciada na Câmara e aquela no Senado Federal.

 

Ocorre que a PEC N. 110/19 reproduz o texto aprovado pela Comissão Especial da Reforma Tributária da Câmara dos Deputados em que foi relator o Deputado Luiz Carlos Hauly no âmbito da PEC N. 293-A/04, à qual foram apensadas as PECs 140/2012 e 283/2013. Desta forma, segundo o regimento, tem precedência de tramitação a PEC N. 110/19.

 

Segundo explica o ex-deputado Luiz Carlos Hauly, no IBS o crédito deve ser universal e financeiro.  Isto significa que o imposto incide no pagamento do frete; os pneus, peças, todas as despesas e investimentos dão direito a crédito; bem como a tecnologia do modelo Abuhab permite que os sistemas de pagamento bancário façam o depósito na conta-corrente do valor líquido dos impostos

 

Isto invalida o argumento das “tentativas frustradas” de reforma tributária, mas demonstra o efeito perverso no adiamento para a economia.


Publicado originalmente em:

http://conversandocomoprofessor.com.br/2021/03/04/a-pec-n-11019-da-reforma-tributaria-e-o-apoio-a-atividade-de-transporte/. Acesso em: 05/mar/2021

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