quinta-feira, 12 de julho de 2012

Punição mais rigorosa para lavagem de dinheiro

Antes só era lavagem de dinheiro se este advinha, por exemplo, de terrorismo, tráfico de drogas e/ou armas.

Agora o dinheiro resultante de qualquer prática criminosa implica o crime de lavagem de dinheiro.

Desta forma, se o dinheiro "lavado" tem relação com a prática de crime contra a ordem tributária, existe também crime de lavagem de dinheiro. A lei antes não previa isso.

A OAB questiona o dever dos advogados, recém-instituído pela lei, de informar os órgãos responsáveis pelo controle de lavagem, se tiverem indícios que os clientes estão praticando isso.

A questão é: conflita ou não com o sigilo profissional? Previsto no Estatuto do Advogado

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Prof. Dr. Fabio Pugliesi


OAB planeja Adin contra lei da lavagem
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) já estuda a possibilidade de entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a nova Lei de Lavagem de Dinheiro, sancionada pela presidente Dilma Rousseff e publicada ontem no Diário Oficial da União. A contestação da lei ainda está em estudo e concentra-se, inicialmente, em apenas um ponto: o que obriga advogados a comunicarem operações suspeitas de lavagem detectadas na relação com seus clientes. Outros aspectos da lei também já são questionada por criminalistas. Um deles é a distinção entre lavagem e outros crimes, como receptação. Outro é o afastamento automático de servidores públicos investigados por lavagem, caso sejam indiciados pela polícia.

A Lei nº 12.683 alterou a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613, de 1998) para torná-la mais rígida. A maior inovação foi excluir uma lista que delimitava oito "crimes antecedentes" que poderiam gerar a lavagem (como tráfico de drogas e sequestro). Agora, uma pessoa pode ser acusada de lavar dinheiro resultante de qualquer tipo de crime ou infração penal. A nova previsão resultará em milhares de novos processos contra acusados de ocultar dinheiro ilícito obtido com práticas que vão desde a sonegação fiscal até a exploração de jogos ilegais, que antes não eram listados como crimes antecedentes.

"Sem a lista de antecedentes, qualquer situação fica susceptível de lavagem", sustenta o criminalista Luciano Feldens, que atuou como procurador da República na primeira vara criminal brasileira especializada em lavagem de dinheiro, em Porto Alegre. "Comprar uma bicicleta furtada não é lavagem, e nem enterrar dinheiro no quintal de casa. A lavagem trata de questões de maior magnitude, mas a lei fez tábula rasa ao prever a ocultação de valores provenientes de qualquer crime", diz.

Além disso, outros pontos podem levar ao questionamento da lei. De acordo com a advogada Anna Lygia Costa Rego, do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados, o questionamento pode surgir quando alguém for processado diante de indícios de lavagem de dinheiro, mesmo que a infração penal que gerou os recursos ilícitos ocultados tenha sua punibilidade extinta. É o caso da sonegação fiscal: a Justiça entende que, quando o contribuinte paga o tributo, não é mais passível de punição. Agora, a partir do momento em que os valores sonegados forem inseridos na economia, o contribuinte pode estar incorrendo também em lavagem de dinheiro, mesmo que o crime antecedente - a sonegação - não seja punível. Para o criminalista Pierpaolo Bottini, os processos por lavagem devem aumentar tanto que poderão "inviabilizar" as varas judiciais especializadas no assunto. "Haverá uma confusão recorrente", aposta.

O texto da nova lei também amplia o rol de pessoas físicas e jurídicas obrigadas a comunicar operações suspeitas de lavagem de dinheiro ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A partir de agora passam a fazer parte dessa lista pessoas físicas e jurídicas que atuem em atividades de consultoria e assessoria, além de juntas comerciais, registros públicos, corretores de imóveis e gestores de fundos e valores mobiliários, entre outros. Nessa lista incluem-se também os advogados. No caso deles, a aplicação da lei pode ser dificultada pelo sigilo na relação entre advogados e seus clientes garantido pela Constituição Federal e pelo Código de Ética e Disciplina da OAB.

"A Ordem entende que é necessária uma interpretação do Supremo para compatibilizar o novo dispositivo com o princípio do sigilo profissional contido na Constituição Federal e na lei", diz o presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. Ele afirma que já encaminhou o texto da lei à comissão de estudos constitucionais da Ordem, que se reúne no fim de julho, para que analise a nova legislação com urgência. O parecer da comissão será avaliado na reunião do conselho federal da OAB, em 20 de agosto, que decidirá pela contestação ou não da lei no Supremo. "A Ordem entende que deve-se respeitar a questão do sigilo profissional, sob pena de quebrar uma das espinhas dorsais da relação profissional", afirma.

Especialistas também alertam para problemas na definição do crime de lavagem, que deverão gerar inúmeros recursos nos tribunais. "Há uma confusão entre lavagem, receptação qualificada e favorecimento real", diz o advogado Antenor Madruga, que coordenou a comissão formada em 2003 pelo Ministério da Justiça para propor a reforma na lei de lavagem. O problema é que a lavagem, a receptação e o favorecimento envolvem, todos eles, a ocultação de produtos oriundos de crimes.

Advogados e membros do Ministério Público ainda questionam o artigo que prevê o afastamento de servidores públicos indiciados por lavagem. No afastamento, a pessoa fica impedida de trabalhar, mas continua recebendo o salário. Antes, isso só era possível por ordem administrativa ou judicial. Agora, bastará o ato de um delegado de polícia. "Essa previsão afronta completamente a presunção de inocência", argumenta Bottini. "Se um delegado chegar à conclusão que a pessoa é suspeita, ela será proibida de trabalhar, sem nenhum crivo judicial", reclama.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) encaminhou nota técnica à presidente Dilma Rousseff pedindo veto a esse artigo, alegando que seria inconstitucional, por permitir o afastamento por decisão unilateral da polícia. A lei, no entanto, foi sancionada integralmente.

Cristine Prestes e Maíra Magro - De São Paulo e Brasília

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