Fabio Pugliesi
A Comissão Mista da Reforma Tributária tem focado na instituição do
Imposto sobre Bens e Serviços – IBS e sofrido críticas dos Municípios mais
populosos que insistem na manutenção do Imposto sobre Serviços de qualquer
natureza - ISS, mas a adesão do Governo dos Estados federados obriga a propor
meios de superar a resistência de parte dos Municípios resistente à Reforma
Tributária.
Aliás os estudos do “simplifica já” que defendem a manutenção do ISS
reconhecem que os recursos para Segurança Pública, por exemplo, função
atribuída ao Estado federado reduziu crescentemente nos últimos anos com a
predominância da economia digital, a “desmaterialização” da economia e redução
de coisas móveis que, quando inserida na atividade empresarial, integra a base
de cálculo do ISS.
A base da reforma tributária é a Proposta de Emenda à Constituição-PEC
n. 110/19, a PEC n. 45 fixa-se na instituição de Imposto sobre Bens e Serviços
nacional e, por fim, a PEC n. 7/20 propõe que o Sistema Tributário do Brasil
reproduza o Sistema Tributário dos Estados Unidos da América.
As PEC n. 45/19 e PEC n. 7/20 tiveram a adesão de pelo menos 172
deputados para prosseguir, mas a PEC N. 110/20 foi apresentada por 66 dos 91
senadores e reproduz a PEC n. 293/04 cujo relatório final, então apresentado
pelo deputado Luiz Carlos Hauly, contabiliza por volta de 350 discussões,
palestras e debates com a sociedade civil.
A Constituição de 1988 reproduz muitas disposições já existentes no
Código Tributário Nacional por motivos históricos, pois na Constituição de
67/69 atribuia, ao Presidente da República, a competência para “expedir”
decreto-lei para alterar normas tributárias.
A sociedade brasileira na assembléia
constituinte, instalada em 1987, dispôs-se a consolidadar a democracia. Assim
teve centrar os debates sobre os problemas e desafios de uma sociedade que
experimentou uma urbanização crescente e desorganizada.
Lamentavelmente os entes federativos
defendem, ainda, seus interesses como se houvesse uma cidadania federal,
estadual e municipal. Daí se faz-se necessária uma autoridade nacional
tributária para evitar isso.
A Constituição de 1988 resulta de um processo de desarmamento de ânimos
e desconfiança entre atores sociais e políticos, embora mitigados após o regime
militar. Assim a Constituição em vigor possui princípios de textura aberta, que
resultam de pactos feitos durante a constituinte, a que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal atribuiu o mesmo “status” das regras, especialmente
nas matérias relativas à competência do Poder Legislativo. Desta forma o STF
passou a ser o árbitro do jogo político, o que tem lhe reduzido a autoridade.
Como se sabe, as regras
expressam deveres precisos e são aplicadas por meio de subsunção. Princípios
enunciam deveres cujo conteúdo definitivo somente é estabelecido se for
analisado o peso de cada um no caso concreto, após aquilatação dos princípios
colidentes. Princípios constituem normas que obrigam que algo seja realizado na
maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas
O Ministro Dias Toffoli então na Presidência do STF e, agora com maior
razão o Ministro Luiz Fux que foi magistrado e teve o protagonismo na renovação
do processo civil, consolidou-se a ideia que chegou a hora do Brasil
“desconstitucionalizar”, revogar dispositivos constitucionais para reduzir as
demandas no STF.
A PEC ns 7/20 propõe uma tributação sobre consumo ao reproduzir o modelo
dos EUA, em que tem até o Estado do Delaware (um “paraiso fiscal” dentro dos
EUA), e ignora o acordo do Brasil com a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico – OCDE para substituir na prática os 5 (cinco) IVA
incidentes sobre o consumo pelo IVA de fato, chamado de IBS no Brasil, que deve
ser adaptado em função da assimetria econômica e social existente entre os
entes federativos.
Todavia a PEC n. 7/20 inova ao atribuir à União, aos Estados e aos a
tributação sobre o patrimônio, a exemplo do que ocorre nos EUA.
As disposições sobre a tributação do patrimônio da PEC n. 7/20 são
perfeitamente compatíveis com a PEC n. 110/19 que, de fato, é a reforma
tributária por resultar da PEC n. 293/04 cujo relatório final já foi aprovado
na Câmara dos Deputados ao final da última legistatura, pois
“desconstitucionaliza” o sistema tributário ao extinguir fundos de participação
na receita de impostos na matéria e desparecem o Imposto Territorial Rural –
ITR, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA, que o Supremo
Tribunal Federal decidiu incidir EXCLUSIVAMENTE sobre automóveis e caminhões,
bem como o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU.
Deve ser observado que a Constituição autoriza à União transferir,
mediante convênio, aos Municípios arrecadar e fiscalizar o ITR.
Ademais, em função de decisões do Supremo Tribunal Federal, que
considerou inconstitucional a progressividade do IPTU e ao IPVA, em resposta a
isso as Emendas à Constituição ns. 29/00 e 45/2003 instituiram critérios de progressividade que
acabam gerando insegurança jurídica, uma vez que o STF precisa interpretar tais
critérios.
Neste ponto constata-se uma prática resultante da excessiva
constitucionalização do Sistema Tributário.
Na medida em que o STF considera inconstitucional uma disposição legal
que reduz a arrecadação, a experiência demonstra que uma Emenda à Constituição
tem surgido para garantir a arrecadação e acaba por criar insegurança jurídica.
Em vista da assimetria entre os Municípios pode ser definida a
competência e eventual repartição de receita pelo número de habitantes, segundo
o que o disposto no artigo 29, inciso IV da Constituição Federal faz para o
número de vereadores por Município, observado que esta solução levou a uma
solução bem sucedida baseada na Emenda à Constituição n. 25/00.
Desta forma pode ser superada a insistência dos grandes municípios na
manutenção do ISS, especialmente por não confiar que a União e os Estados lhes
repasse parte da arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS.
Mantém-se a alternativa do
Brasil se debruçar sobre os seus próprios problemas e desafios e encontrar as
soluções institucionais que favoreçam o enfrentamento desses problemas. Isso
significa que se deva considerar a experiência com outros países e honrar os
acordos com a OCDE.
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