terça-feira, 24 de março de 2020

Notas sobre os Direitos Sociais na Constituição Brasileira

Fabio Pugliesi

Sidney Guido Carlin (advogado trabalhista desde 1969, ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente do IASC-Instituto dos Advogados de Santa Catarina)

NOTAS SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
         A abordagem de um tema desta natureza no âmbito acadêmico requer pesquisas e análises que, dado os limites deste texto militante, não se pretende.
Este trabalho oportunissimamente proposto como tema livre pelo Professor Doutor César Luiz Pasold, advogado, professor e, entre as suas inúmeras atividades, editor do blog “Conversando com o Professor”, resulta de um dos temas das conversas por ocasião dos cafés que os autores têm tido desde o ingresso do autor Fabio Pugliesi durante a gestão do coautor Sidney Guido Carlin na presidência do Instituto dos Advogados de Santa Catarina.
O texto visa estimular a reflexão e o debate sobre a efetividade dos direitos sociais, dadas as mudanças bruscas no ambiente da produção e prestação de serviços com marcantes consequências sociais.
O coautor Sidney Guido Carlin assinala que o presente texto se relaciona com o artigo 133 da Constituição Federal que consolida ser o advogado imprescindível à distribuição da justiça e sua presença nos debates, a exemplo do presente, reflete o papel que deve marcar o Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC.
Embora o Direito seja um só, verifica-se a utilidade da identificação de ramos em decorrência da crescente elaboração de trabalhos multidisciplinares nos quais se faz necessária a identificação de textos normativos e a interpretação destes a partir dos postulados que são próprios a cada ramo.
         Em vista disso, os sentidos dos textos normativos, a exemplo dos que garantem os direitos sociais, podem ser diversamente considerados em outros ramos como o Direito do Trabalho, Econômico e Tributário.

Embora a Constituição Brasileira tenha um título sobre a ordem econômica e financeira, os textos normativos que dizem respeito ao Direito Econômico não se limitam aos inclusos sob este título, bem como gozam de conteúdo específico dado que mudam permanentemente, a exemplo dos relativos aos direitos sociais.

Assim o ângulo peculiar de interpretação produz normas jurídicas de diferentes sentidos.

Desta forma os textos normativos, ao serem analisados sob a ótica do ramo denominado Direito Econômico, constitui um conjunto de normas jurídicas que permitem ao Estado promover e reprimir os comportamentos de agentes econômicos para concretizar os direitos fundamentais, inclusos nestes os direitos sociais, por meio da regulação da atividade econômica atribuída ao particular.

Por sua vez, o Direito Tributário constitui o estudo da disciplina da competência do Estado para instituir o tributo, bem como do surgimento, suspensão da exigência e da extinção da relação jurídica-tributária relativa à obtenção de recursos por meio de tributo.

O Direito do Trabalho, como se sabe, nasceu dos conflitos que a igualdade formal da lei fazia surgir e as desigualdades sociais estavam por destruir a integração social.

Por sua vez, como assinala do coautor Sidney Guido Carlin, a Justiça do Trabalho tem por escopo precípuo a busca incessante para o encontro da paz social. Esta somente virá com o equilíbrio na relação entre o capital e o trabalho. Objetivo somente viável quando existir a mais perfeita harmonia entre as classes em questão: a patronal e a obreira. Daí a relevância da participação e a presença do advogado laboralista mais focado na conciliação e menos propenso à litigância e à continuidade do conflito no meio social.

Assim, continua Sidney Guido Carlin, constitui dever primordial do profissional especializado no Direito Social o alívio das tensões entre as partes envolvidas, o que significa em última análise chegar à tranquilidade e a paz na sociedade.

Daí a experiência do coautor Sidney Guido Carlin autoriza a aconselhar àqueles que pretendem seguir a advocacia laboral o seguinte: “Todas as partes envolvidas na distribuição da justiça social têm o mesmo compromisso e o mesmo dever de unir esforços na busca da verdade para que a justiça que representa o maior anseio da sociedade seja efetivamente distribuída”.

Infelizmente o coautor Sidney Guido Carlin identifica em colegas, especialmente os que se iniciam na profissão uma atitude de ver o juiz e a outra parte como inimigos mortais. Entende que de mãos dadas na mais perfeita harmonia advogado, juiz e Ministério Público possuem um dever único de viabilizar o encontro da verdade absoluta, pois sem ela não haverá justiça às partes.

Enfim deve o advogado considerar sua atitude sempre, afinal deve abandonar a perspectiva que os fins justificam os meios.

Nestes tempos de mudanças bruscas verificam-se entre os ramos do Direito as chamadas “faixas cinzentas” e isto paradoxalmente torna mais útil a classificação acima aludida, pois a própria negação da organização do Direito em microssistemas reafirma a autoridade do modelo de decisão jurídico.

O eleitorado brasileiro mais que duplicou desde a eleição de 1982, tendo sido muito superior até ao crescimento da população no mesmo período. Assim produzir os textos normativos deixa de ser resultado de um grupo de juristas para a construção em rede.
O Brasil tornou-se uma sociedade mais complexa e isto se reflete no Congresso Nacional com textos normativos de clareza e constitucionalidade bem questionáveis que geram conflitos e desembocam no Poder Judiciário.
Verifica-se que a profunda mudança social decorrente do desemprego, crescimento da informalidade e o desalento do trabalhador pela perda das habilidades para exercer suas funções pelo desaparecimento ou até afastamento prolongado do mercado de trabalho.
Aliás, mercado de trabalho constitui uma categoria distinta de mercado financeiro ou de produção de bens. Afinal, aquele é constituído por pessoas que devem ter sua dignidade respeitada.
Ocorre que o neologismo “uberização” tem significado uma condição humana em que a pessoa fica à disposição por sua conta e risco daquele que lhe contrata para prestar o serviço, limitando-se a percepção social ao aplicativo de celular.
Este contexto acaba por pressionar o reconhecidamente precário serviço público de saúde.
Tudo isso exige a efetividade dos direitos sociais constantes na Constituição Brasileira e uma adaptação aos tempos em que ser um trabalhador de carteira assinada constitui um privilégio.
Desta forma os autores, a exemplo do que sempre propugnou o coautor Sidney Guido Carlin à frente do Instituto dos Advogados de Santa Catarina, os advogados devem divulgar suas opiniões, inclusive por meio das redes sociais, para a paz!

Publicado originalmente em 




          
        


domingo, 22 de março de 2020

Respeito durante o Confinamento




As atitudes de tolerância e moderação dependem menos das evidências empíricas do que imperativos de conduta, uma vez que exigem paciência.

Assim necessário recapitular que as atitudes durante a privacidade doméstica no confinamento durante a pandemia do Corona Vírus relacionam-se produndamente com os direitos humanos.

Identifica-se o surgimento dos direitos humanos na Babilônia em 539 a. C., quando Ciro, o Grande, Rei da Pérsia libertou os escravos na Babilônia e registrou suas palavras.

Ciro autorizou os escravos a deixar a Babilônia e escolher sua religião. Nesta ocasião aos judeus retornaram à Judéia.

A ideia dos direitos humanos, ou seja, a ideia da pessoa humana consiste ter reconhecidos seus direitos independentemente do Estado em que está.

Esta perspectiva espalhou-se na Índia e Grécia. Em Roma surgiu o “direito natural”.

Em 1215, na Inglaterra, os Barões impuseram ao Rei João a “Magna Carta” que, entre outras disposições, destacam-se:
a)    o rei devia julgar os indivíduos conforme a lei, seguindo o devido processo legal, e não segundo a sua vontade, até então absoluta;
b)    a ninguém se recusará ou retardará o acesso à Justiça.

No século XVIII surgem a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão em 1789 e Declaração de Direitos da Filadélfia em 1776, resultantes, respectivamente, das Revoluções Francesa e Americana.

Verifica-se que tais declarações, replicadas com pequenas variações nas constituições de diferentes países, passaram a impor limites à soberania do Estado.

Diante dos diferentes contextos em que se verificaram as constituições de outros países, especialmente durante o século XIX, ficou difícil justificar estes direitos ante a experiência dos povos. Daí o fundamento dos direitos humanos passar ser a ideia do “imperativo categórico” de Imanuel Kant que, dentre outras disposições, realça-se para os objetivos do presente trabalho.
Em virtude das duas Guerras Mundiais, em 1945 institui-se a Organização das Nações Unidas (ONU) e, em 1948, foi a Assembleia das Nações Unidas, órgão máximo da ONU, aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).

Os direitos sem sanção, no sentido de consequência desagradável para quem contraria o comando da norma, podem perder a efetividade material assim, a partir da declaração universal dos direitos humanos e outras dela decorrentes e com elas relacionadas, foram surgindo foros internacionais para penalizar pessoas e embargos a Estados cujos governos contrariem os direitos humanos, a exemplo do Tribunal Penal de Haia.

Neste processo se reconhecem os chamados os direitos humanos de primeira geração, relacionados com a LIBERDADE no sentido de um espaço de livre movimentação e gozo da vida e bens, garantidos por um sistema de freios e contrapesos entre poderes em que há  efetiva atuação do Estado.

Observa-se que liberdade é um termo plurívoco, que pode significar “ausência de limites impostos pela norma” (como constam nas declarações de Direito) mas, também, no sentido do livre arbítrio (capacidade de deliberação), Igualmente importante é a liberdade jurídica imposta à observância por comando legal, caso contrário pode se instalar uma guerra de todos contra todos, segundo a perspectiva de Thomas Hobbes no clássico Leviatã.

Observe-se que isto leva a uma reflexão sobre o papel da punição, neste sentido gosto de lembrar que o Arcebispo Desmond Tutu considera que o tempo em que Nelson Mandela permaneceu preso o levou a mudar sua conduta e abandonar a violência. A partir da perspectiva adquirida Nelson Mandela governou a África do Sul até o final do Apartheid. Ressalte-se, todavia, que qualquer punição deve observar o postulado da dignidade da pessoa humana

Resta a libertação a liberdade das necessidades, a IGUALDADE. Não pode usufruir da liberdade de ir e vir o doente, o idoso, o menor desassistido, bem como aqueles que devem perder empregos e rendimentos durante a queda da atividade econômica que a pandemia impõe.

Assim reconhecem-se os direitos humanos de segunda geração que devem se realizar com prestações positivas do Estado, buscando que, ao menos as pessoas partam ou vivam com o mínimo para usufruir da vida no sentido de saúde e necessidades básicas satisfeitas.

 Evidentemente estas necessidades básicas variam de um lugar para outro, como defende Amartya Sen, prêmio Nobel, economista do Banco Mundial, professor da London School of Economics, bem como idealizador e implantador do índice de desenvolvimento humano (IDH) que passou a ser o termômetro de bem estar que substitui a exclusiva noção de renda pessoal. Logo inócuo definir exaustivamente as atividades essenciais, uma vez que variam de uma região para outra no Brasil e, principalmente, de um país para outro.
Em decorrência dos genocídios contra etnias no século XX, passam a reconhecer os direitos humanos de terceira geração, que expressam o ideal da FRATERNIDADE, no sentido de solidariedade. Não importa onde nasceu ou vive as pessoas, elas devem ser respeitadas.

Assim amplia-se a aplicação da defesa dos direitos difusos, direitos cujos titulares não se pode determinar, nem mensurar o número exato de beneficiários (minorias étnicas, idosos e doentes) que, ao lado, dos direitos coletivos cujos titulares, embora tenham um número determinável, compartilham determinada condição, todavia, não sendo viável identificar um a um ou fica impossível cada um defender o seu interesse (preservação de áreas ambientais).

Assim deve-se combater a xenofobia ao se referir a outros povos e países durante a pandemia.

Norberto Bobbio, em seu livro Era dos Direitos, identifica uma contínua aspiração a mais direitos.

 Também os direitos humanos de quinta geração, relacionados com o uso e disseminação das tecnologias da informação, e seus efeitos de efetivação e, paradoxalmente, geração de dificuldades para os direitos humanos, bem como garantia de acesso a todos. Referidos à inclusão digital e as formas se coibir as “fake News”.

Abstraindo-se a geração do direito humano, parece-me indispensável a ideia de Joseph Raz, professor em Oxford (Inglaterra), não importa o valor ou apego que se atribua a algo ou alguém, deve ser observado o respeito, no sentido de dignidade da pessoa humana, a fim de exigi-lo é necessário considerar se a pessoa teve conhecimento dele ou teve meios de ter acesso a ele; o que não exclui evidentemente o efeito sancionador da ordem jurídica do Estado, observado o acesso à justiça e os direitos e garantias já referidos.

Desta forma, não se angustie, compreenda. O conhecimento vence o medo


sexta-feira, 20 de março de 2020

O estado de calamidade da União e a pandemia


O estado de calamidade parece que se refere a tudo, não é. Trata-se de uma medida no âmbito do direito financeiro da União.

A decreto do estado de calamidade permite afastar os limites com despesa de pessoal e libera a execução da lei orçamentária, exclusivamente no âmbito da União, disciplinados na lei de responsabilidade fiscal.

O limite de despesas da lei de diretrizes orçamentárias em vigor , que orienta a lei de orçamentária anual da União, está afastado.

Assim a execução da lei orçamentária anual deixa de ter limites para conter o déficit público a fim de enfrentar as conseqüências em todas as áreas (saúde, emprego, defesa, etc.) da pandêmia relacionada ao coronavírus (Covid-19).

O Ministro da Economia deverá comparecer mensalmente perante uma Comissão de seis deputados e seis senadores para explicar a execução das medidas em virtude do estado de calamidade, instituído pelo decreto legislativo n. 6/2020.

O Presidente da República precisa se coordenar com os demais entes federativos (Estados, Municípios e Distrito Federal) para a medida ter eficácia diante da pandemia que produzirá efeitos ao longo de 2020, salvo a decretação de eventual estado de defesa e isto é outra história.

Podem ser feitas emendas à Constituição. Grande é a possibilidade de uma referente ao adiamento das eleições municipais.