Fabio Pugliesi
Neste
trabalho far-se-á uma breve inferência do contexto da pandemia, os requisitos
do orçamento público no Brasil e aspectos da crise fiscal.
As mortes relacionadas com a COVID-19
seguem no Brasil a ponto de uma “segunda onda” se superpor à primeira,
diferentemente do ocorrido na Europa e desconhecido, como uma segunda, no Oriente.
A dimensão do território brasileiro
contribui para a disseminação diferenciada do vírus por regiões e, embora já
sejam conhecidos os cuidados que devem ser tomados, parece haver uma tendência sistêmica
da população para correr riscos desnecessários e falta de orientação das
autoridades.
A
notória hesitação da União para uma ação
nacional contra a propagação do vírus gera insegurança em razão da alta taxa de
contaminação pelo covid-19, embora a União
tenha instituído, por meio do decreto legislativo n. 6/2020, o estado de
calamidade.
A
decretação do estado de calamidade tem permitido afastar os limites com despesa
de pessoal e libera a execução da lei orçamentária.
Desta
forma, na execução da lei orçamentária anual, deixa de haver limite para conter
o déficit público, a fim de enfrentar a pandemia.
Ao desconhecimento
do alcance da pandemia e ao pagamento do auxílio, que acabou por até aumentar o
poder de compra da população, poder-se-ia, com alguma boa vontade, atribuir a omissão
no envio da lei orçamentária anual-LOA e, pior, a lei de diretrizes
orçamentárias-LDO pelo Presidente da República.
Embora 2020 seja um ano atípico
mantém-se na Constituição Federal um sistema orçamentário
composto pelo plano plurianual - PPA, LDO e LOA que devem ser elaboradas,
aprovadas e executadas a fim de permitir a realização da atividade financeira
do Estado para concretizar os direitos fundamentais no curto, médio e longo
prazo, para todos os Poderes na União, Estados e Municípios, uma vez que se
trata de princípio constitucional que deve ser observado por todos os entes
federativos.
Permanecem, também, os meios do
Estado para geria as finanças públicas: obtenção de receita, realização de
despesa e emissão de moeda. No caso o incremento das despesas públicas e
emissão da moeda por meio da disponibilização do crédito para reduzir o impacto
na atividade econômica.
Inexiste uma hierarquia entre estas
leis, mas competências diversas que devem ser compatibilizadas e todas devem
ter disposições para garantir a racionalidade e a continuidade do investimento
em vista, inclusive, do fato da execução de obras públicas alcançarem mais de
um exercício.
O investimento em obras públicas pelo
Estado é no atual contexto é fundamental, pois os recursos aplicados se
espalham pelos setores sociais desde o empenho para a licitação do projeto da
obra pública até a verificação do que foi executado para efetuar o pagamento da
obra.
O efeito distribuidor dos recursos
pagos pelo Estado é notório, diferentemente dos juros pagos em virtude de
empréstimos que acabam na mão de poucos e agravam a concentração de riqueza no
país.
O Banco Central do Brasil é a
autarquia emissora de moeda, bem como compradora a vendedora de títulos de
emissão do Tesouro Nacional. Aliás, a Emenda à Constuição n. 106/20 autoriza o
Banco Central a comprar títulos no mercado secundário para conferir maior
segurança na concessão do crédito para enfrentar as consequências econômicas da
pandemia. Todavia isto deve ser acompanhado pelo investimento para a retomada
da atividade econômica.
Afinal se, por um lado, deve se
perseverar para criar ou conservar condições idôneas de integração social,
consistentes na atividade educacional e de saúde tão atingidas na pandemia da
COVID-19, também deve ser efetuado o investimento público sem previsão até
agora em 2021 para dar sinais para se investir.
A alternativa de utilizar as forças
policiais para manutenção da ordem pública e a atividade, ainda que sob o
argumento de deixar funcionar a economia, perderia toda a sua legitimidade e
chegaria mesmo a minar a lealdade e o consenso necessários para o andamento da
atividade econômica, se não houver o investimento.
Verifica-se que vai ficando cada vez
mais tênue o limite entre uma crise fiscal de conjuntura e uma crise estrutural,
decorrente de uma falência sistêmica das Finanças públicas, que pode culminar
no comprometimento da integração social necessária para a concretização do
Estado democrático de Direito.
Como já destacado em outra
oportunidade, o auxílio é uma miragem de crescimento econômico, pois o Estado
gasta para garantir a subsistência e, por disfunção do sistema tributário,
tributa o consumo para garantir o um precário e ilusório equilíbrio fiscal,
além de não decorrer do crescimento da economia ou qualquer indução neste
sentido.
Uma democracia torna-se tanto mais
forte quanto mais organizada, sendo que o crescimento da participação política
deve ser acompanhado pela legitimação proporcionada, a exemplo pelas despesas
com educação e saúde, que garante a legitimação do Estado e a autoridade do
sistema democrático.
A situação em que a taxa de
investimento privado segue bem baixa há quase uma década, bem como se ignora a
organização da despesa pública de investimento por meio da LDO e LOA para 2021,
que não se tem notícia quando serão enviadas ao Congresso Nacional, podem
comprometer a democracia em suas bases.
A situação pode se tornar
particularmente grave em decorrência de eventual expansão da intervenção do
governo por meio da atuação policial que, no limite, pode lhe comprometer a
autoridade.
Ao desequilíbrio democrático segue uma desconfiança dos cidadãos do ponto
de vista da legitimação e afugenta o investimento privado.
A resultante queda da credibilidade dos
governantes provoca uma diminuição de sua capacidade para enfrentar os
problemas, dentro de um círculo vicioso que pode ser definido como o espiral da
falta de governabilidade.
Desta forma a legitimidade garantida
nas urnas pelos prefeitos eleitos pode se seguir uma perda rápida da autoridade
e comprometer a confiança no sistema democrático brasileiro.
Enfim os prefeitos da maioria dos
Municípios brasileiros possivelmente abrirão os cofres e verificarão que seus
projetos não podem se concretizar em razão da União que, em decorrência do
desequilíbrio federativo não tem sequer as diretrizes para 2021 e deve se
dispor a prorrogar até abril 1/18 avos das despesas previstas na lei
orçamentaria de 2020.
Publicado originalmente em:
http://conversandocomoprofessor.com.br/2020/12/11/pandemia-orcamento-publico-e-crise-fiscal/. Acesso em: 14/dez/20
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