Fabio Pugliesi
O aumento do preço dos combustíveis
reflete negativamente no custo da atividade de transporte e a tributação piora
este quadro.
É notório que o combustível é muito
tributado no Brasil e o aumento de seu preço reflete na inflação, em razão do
transporte das mercadorias praticamente ser todo rodoviário.
A Constituição de 1988 atribui aos
Municípios, por meio da competência do ISS, a tributação do transporte que
inicia e termina no mesmo Município.
Por
sua vez, aos Estados e ao Distrito Federal, por meio da incidência do ICMS, dá-se
a tributação do transporte que inicia e termina em Municípios diferentes. Ao mesmo
tempo atribui o imposto ao Estado em que se encontra domiciliado o tomador do
serviço.
O ICMS
deveria ser não cumulativo, mas em razão do ISS não dar direito ao crédito, ter
uma alíquota de no máximo 5% e da inviabilidade de se estabelecer um critério
próximo do “crédito físico” para o transporte; criou-se um regime de ICMS em
que se abre “mão do crédito” e tributa-se em 5% o serviço de transporte.
Logo a
inexistência do crédito do dito imposto sobre o valor do imposto agregado,
ICMS, acaba por se constituir uma tributação oculta da prestação do serviço de
transporte. Isto ocorre nos serviços tributados pelo ISS, enfim uma disfunção
do sistema tributário, instituído em 1965, em que se deixou de discutir um
autêntico imposto sobre valor agregado: imposto sobre bens e serviços, previsto
originalmente na PEC N. 110/19 como se verá.
A
Constituição de 88 foi elaborada em um dos momentos da História do Brasil em
que a União tinha pouca autoridade perante os Estados. Isto já se verificava no
final do regime militar, particularmente no Governo Figueiredo.
Durante
a vigência da Constituição de 67/69 somente um imposto de competência da União
com incidência única, instituição, aumento e redução por decreto-lei tributava
os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, bem como a produção,
importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis
líquidos ou gasosos.
O
decreto-lei diferiu da medida provisória, limitando a referência a matéria
tributária (a Constituição referia “finanças públicas”), tinha plena vigência e
podia ser rejeitado pelo Congresso em noventa dias. Tenho notícia de apenas um
caso de rejeição a Taxa de Organização do Mercado de Borracha.
Em vista do risco
de uma nova greve dos caminhoneiros, o Presidente da República enviou ao
Congresso Nacional um projeto de lei complementar em que propõe a alteração da
forma de cobrança do ICMS nas operações com combustíveis.
O projeto constitui o exercício de uma competência,
criada pela Emenda à Constituição n. 33/2001, em que, na prática, se reedita a
incidência do imposto da Constituição de 67/69 sobre lubrificantes e
combustíveis, segundo o acima referido, mas a fixação da quantia a ser exigida
fica a cargo do Conselho de Política Fazendária – CONFAZ. Este conselho,
presidido pelo Ministro da Fazenda, delibera por unanimidade dos Secretários da
Fazenda que o compõe.
A princípio a iniciativa do Presidente da República é
positiva para evitar distorções nos preços da gasolina, etanol e diesel
decorrente da diferença da tributação entre Estados. Todavia é plausível o
argumento que considera ser contrário a princípio estruturante da Constituição que
atribui a competência de fixar alíquota a um “conselho de secretários dos
Estados federados e presidido por um ministro”, ao invés do Senado Federal.
Ao que parece o objetivo do Governo Federal não foi este,
mas sim tentar transferir aos Estados a responsabilidade pela alta do preço dos
combustíveis, decorrente do aumento de preços do petróleo no mercado
internacional, particularmente em um momento em que os caminhoneiros ameaçam
entrar em greve por conta do aumento do custo do óleo diesel.
A tributação pelo ICMS varia muito entre os Estados e a
adoção de uma tributação uniforme teria um impacto muito diferenciado entre
eles. Por exemplo, Estados que se recuperam de profunda crise fiscal, como Minas Gerais,
tributam o diesel à alíquota de 25%, enquanto Santa Catarina em 12%.
Como se tem destacado anteriormente, os Estados, por
questões históricas têm a atribuição de manter a Polícia Civil e a Polícia
Militar resultantes da Guarda Nacional no período da regência de Feijó no
Império. Uma iniciativa que tem garantido a unidade nacional.
Em 2015 o desequilíbrio financeiro dos Estados explodiu.
Resultante de uma combinação de despesas obrigatórias e a desmaterialização da
economia, agravada pela quarta revolução industrial, tem aniquilado a base
tributável do ICMS e estimulado uma escalada da “guerra fiscal” ante a
sistemática do ICMS. Assim verifica-se um descasamento estrutural entre as
trajetórias de receitas e despesas.
Este processo estrutural tem sido adiado com a decisão de
moratória de suas dívidas com a União, em vista de decisão do Supremo Tribunal
Federal, e o irreal aumento de renda decorrente do pagamento do auxílio
emergencial, mas com as hesitações quanto à continuidade deste a situação deve
se agravar.
Neste
sentido é fundamental acompanhar a aprovação do relatório da Comissão Mista da
Reforma Tributária instituída, basicamente, para compatibilizar o imposto sobre
bens e serviços previsto na PEC N. 110/19 com a PEC N. 45/19, sendo esta
iniciada na Câmara e aquela no Senado Federal.
Ocorre
que a PEC N. 110/19 reproduz o texto aprovado pela Comissão Especial da Reforma
Tributária da Câmara dos Deputados em que foi relator o Deputado Luiz Carlos
Hauly no âmbito da PEC N. 293-A/04, à qual foram apensadas as PECs 140/2012 e 283/2013. Desta
forma, segundo o regimento, tem precedência
de tramitação a PEC N. 110/19.
Segundo explica o
ex-deputado Luiz Carlos Hauly, no IBS o crédito deve ser universal e
financeiro. Isto significa que o imposto
incide no pagamento do frete; os pneus, peças, todas as despesas e
investimentos dão direito a crédito; bem como a tecnologia do modelo Abuhab
permite que os sistemas de pagamento bancário façam o depósito na
conta-corrente do valor líquido dos impostos
Isto invalida o argumento das “tentativas frustradas” de reforma tributária, mas demonstra o efeito perverso no adiamento para a economia.
Publicado originalmente em:
http://conversandocomoprofessor.com.br/2021/03/04/a-pec-n-11019-da-reforma-tributaria-e-o-apoio-a-atividade-de-transporte/. Acesso em: 05/mar/2021
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